Pages

Friday, 26 December 2025

Queda do muro



O que hoje preciso fazer
foi, por muito tempo, o meu maior medo.
Tive certeza. Convicção.

Acreditei que esse dia nunca chegaria.

Fiz de tudo para mantê-lo distante.

Dias viraram meses,
meses viraram anos —
coloridos, barulhentos —
e ela não tinha nome dentro de mim.
Era como se tudo estivesse certo.

E estava mesmo.
Como se não houvesse diagnóstico.
Como se a força do querer
tivesse sido suficiente para vencer.

A ilusão era perfeita.

Mas, em silêncio, ela me drenava.
Sem ruído, roubava minha energia.
Minhas muralhas, outrora sólidas,
minhas torres,
começaram a ceder.

Sem alarde.
Sem aviso.
Implacável.

Até que, um dia,
ela esteve diante de mim.
Inteira. Presente.
Olhou-me fundo —
não havia como desviar.

“Olá”, disse.

“Até quando vai fingir que eu não existo?”
“Você não vê que está de joelhos?”

Silenciosa e, ainda assim, irresistível,
ela tomou o meu corpo.
Fez-me crer.
Como faz a mãe que permite ao filho acreditar
apenas para conduzi-lo com mais facilidade.

E eu sigo.
Cabeça erguida.
Queixo à frente.
De joelhos.

Mauerfall


 

Was ich heute tun muss, war lange Zeit meine größte Angst.

Ich war so sicher, so überzeugt, dies nie erleben zu müssen.

Ich habe alles getan, um es zu vermeiden.

 

Tage, Monate, Jahre gingen vorüber – bunt und laut –,

ohne dass ich an sie denken musste.

Es war, als sei alles in Ordnung.

 

Es war alles in Ordnung!

Als hätte ich keine Diagnose.

Als hätte ich sie mit Zuversicht und Überzeugung besiegt.

 

Als wäre wollen genug.

Die Täuschung war perfekt.


Doch still und heimlich stahl sie mir meine Energie.

Meine Mauern und Türme begannen zu bröckeln.

Unaufhaltsam, unbemerkt.

 

Bis sie eines Tages plötzlich vor mir stand.

Sie sah mir tief ins Gesicht.

„Hallo“, sagte sie.  

 

„Wie lange willst du mich noch ignorieren?“

Merkst du nicht, wie du in die Knie gehst?“, fragte sie.

 

Still und doch unaufhaltsam

hat sie sich meinen Körper geschnappt.

Sie hat mich glauben lassen.

Wie eine Mutter, die das Kind glauben lässt, um es gefügiger zu machen.

 

Ich halte meinen Kopf hoch,

Kinn voraus. Ab ins Unglück.

  

Sunday, 26 October 2025

Entardeceu

 

Sinto falta de mim mesma,
do brilho nos olhos,
dos sonhos que sonhava.

Sinto falta da leveza
e do sorriso que sacode
a ponta do meu nariz.

Sinto falta de calor no coração,
sinto falta de sentir algo —
que não seja resignação.

Sinto falta de achar
que vai dar.

Traição

 

E se eu fugisse
e sumisse
e desaparecesse?

E se eu parasse de tentar
de me esforçar
de me importar?

E se eu parasse de arrumar
e avisar
e preparar?

E se eu fizesse
tudo que já jurei
pra mim mesma?

Defesa

 


Profundezas indefesas

fincando cada célula
do meu corpo mortal —

fragilizando a vontade de viver,
sustentando
o inimigo dentro de mim,

alimentando o ódio
com o restinho de energia que me sobra
depois de lutar
e lutar
e perder
todas as batalhas.

Lindo.
Maravilhoso.
Cruel.
Dolorido.

Procurando sentido
no sentimento que sinto
até esse último suspiro.

Sinto.
Muito.

Black out


E assim foi.

Tudo em vão.

O que faltou?
Vontade?
Saúde?
Deus?

Por que não deu?
Azar?
Burrice?
Preguiça?

E assim acabou.
Tudo terminou assim —
sem nada terminar...

Como se tivesse faltado luz de repente.

Faltou luz. 

Borboletas II



Sujeira na calçada. 
Esperança atropelada pelos tufos da vida.
Vida que te dói a cada batida do teu coração.

O chão do caminho torto que tentas seguir às vezes 

parece te sacudir de propósito para se livrar de ti

 — que tanto tentas, tanto te esforças 

e pareces usar toda essa força que ainda te resta para ver 

se chegas a algum lugar.

Nem que seja assim, 
bem devagar, mas indo em frente,
até de repente perceber que 
estás andando em círculos,
o caminho torto virando uma espiral 
cheia de borboletas podres, 
despedaçadas, 
pisoteadas, 
esmagadas, 
mortas.

Mortas que nem tu.
Caminho fatal

Saturday, 6 September 2025

Seething

 


The pain bubbles up, rising, rising, rising.
Like water in a pot too small, it boils over,
scalding me from within.
I am the darkest wound of my own existence.
Each heartbeat seems to brew a venom,
dripping through my body,
seeping into every fragile cell,
until even breath falters beneath its weight.

I gasp—
dying not in haste but in the slowest of measures,
as if there were some virtue in stretching out this torment.
And in this languid unravelling I watch:
the world spinning endlessly,
faces blurred with urgency,
gestures slipping from my grasp.
All of it feels strange,
distant,
unreal.

Does death come hand in hand with lightness?
Will the pain at last grow quiet?
Or will it remain when I am gone—
hunting another body to devour?

They once spoke to me of smiles.
Of tender plans, of dreams that lift and carry.
They told me of happiness, of gratitude,
of the gleam that lingers in the corner of an eye.
Yes, they spoke.
And I only ever heard the telling.

E agora?

 



E agora, Kika?
O tempo acabou,
sua luz apagou,
a esperança sumiu,
o coração esfriou,
e agora, Kika?
e agora, você?
você que só trabalha
que faz pelos outros,
você que se esforça,
que ama, protesta?
e agora, Kika?

Está sem energia
está sem dinheiro,
está sem saúde,
já não pode correr,
já não pode dançar,
mudar já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o prêmio não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo quebrou
e tudo mofou,
e agora, Kika?

E agora, Kika?
Sua doce palavra,
seu momento de plantar,
sua vontade de fazer,
sua sabedoria,
sua lavra de ouro,
sua atitude,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para casa,
Casa não há mais.
Kika, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
o hino da revolução,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é dura, Kika!

Sozinha no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem uber nenhum
para te levar,
você marcha, Kika!
Kika, para onde?



Cebola

Esse mundo me dói.
Me dói e me corrói.

Como a ferrugem que comeu,
devagar e sem pressa,
o cano do banheiro
da casa velha que habito.

A casa que habito.
Não digo que vivo.
Porque a vida parece
que já passou.

Passou por mim como um vendaval,
me arrasou,
apesar de todas as forças
que juntei para me manter em pé.

Aprendi que 
o que é duro,
quebra mais fácil — 
Mas aprendi tarde.

Aconteceu o que mais temia:
eu amarguei.

Amarguei como cebola queimada.
Aquela que, ao invés de doce e gostosa,
fica dura e horrorosa,
e ainda deixa o gosto amargo
em tudo ao redor.